Roner Anderson - sofrimento por antecipação

Nascer, viver, crescer e morrer é um ciclo natural. Tudo no Universo está em constante transformação.

O homem não tem prazo de validade, mas é claro que você já sabe disso. O prazo depende de seu ambiente, circunstâncias e ações. Mesmo assim, ainda não inventaram qualquer técnica que possa prever o tempo exato de vida das pessoas.

Para alguns depende de sorte ou azar, destino ou carma. Muitos sonham com a imortalidade, mas apenas sonham.

Outros insistem em envelhecer precocemente, sofrendo só de pensar que um dia vai ficar bem velhinho, ou não, com receio, talvez, se estará sozinho na velhice, sem a certeza de que alguém queira se dispor a prestar cuidados ou, quem sabe, o pavor de morrer no abandono em um asilo ou outro canto qualquer.

Mas têm pessoas que vivem o aqui e agora, permitindo que o tempo aconteça do jeito que acontecer, aproveitando o melhor que pode do jeito que dá. Não pensam em desgraças futuras e nem em sofrer por antecipação.

Algumas vezes já não é fácil lidar com os problemas presentes. Então, por que antecipar sofrimentos? Quanto tempo se perde imaginando algo que nem poderá acontecer?

Nossa mente é programada para se proteger e buscar explicações para tudo. Mas muitas reações e atitudes são automáticas e nem percebidas, pois são frutos das experiências registradas no inconsciente.

E não estou culpando o inconsciente por isso. Alguns sofrimentos estão relacionados aos valores emocionais vinculados aos modelos mentais, construídos no ambiente e experiências associadas à existência de cada um.

Esses modelos mentais podem guardar ou desencadear crenças que provocam estímulos emocionais que coordenam as escolhas, que nem sempre são as melhores para o consciente. Também podemos chamar de escolhas não racionais ou por impulso.

Eu estava realizando uma sessão de Coaching com uma cliente de 60 anos. Durante os primeiros momentos ela revelou que estava triste e com medo de sair de casa. Disse que por pouco não desistiu de ir até meu escritório.

Falou que odiava o lugar em que morava, incluindo cidade, bairro, e até a própria casa. Perguntei por que ela morava em um lugar que dizia odiar. Respondeu que foi o que podia comprar na época, com sua parte da venda da casa que dividiu com o ex-marido.

Lamentou que nada dava certo em sua vida e que não era uma mulher de sorte, e que sentia que sua vida era um fracasso. Argumentava com saudade do lugar onde morava com o ex-marido.

Dizia que o bairro era ótimo e a cidade melhor. Seus olhos se encheram de lágrimas quando ressaltou que tinha medo de ficar como sua mãe, que aos oitenta anos teve que andar de cadeira de rodas.

O que lhe assustava muito era que já sentia dores na coluna, bem como sua mãe, quando estava com mais ou menos sua idade. Estava desmotivada e sem vontade para nada, pois nada mais lhe dava prazer. Só queria estar em casa, em sua cama, o dia inteiro.

Que era o único lugar em que se sentia bem.

Fiquei ouvindo e processando todas as informações, ao mesmo tempo que lhe fazia algumas perguntas para que especificasse em detalhes as situações que relatava.

Minha intensão era que ela pudesse relembrar ao máximo desses detalhes para estabelecer uma conexão com suas emoções, ancoradas por suas lembranças. Ali estava uma mulher que parecia querer desistir de tudo.

Comecei a instigar sua memória, de quando estava casada. Perguntei se era bom e ela respondeu com indignação que não era. Perguntei o que lhe fez terminar o casamento.

Ela disse que não gostava da vida que tinha, que era desvalorizada e que queria mudar isso. O casamento lhe deixava triste e irritada. Ressaltei: “mas você teve coragem de terminar um casamento que lhe fazia mal?”.

Ela respondeu que sim, mas que isso causou sua saída do lugar onde morava ao qual ela adorava. Essa situação a forçou ir morar com parentes, até que conseguisse comprar sua nova casa, a qual reside até hoje.

Perguntei se essa mudança foi melhor para seu estado emocional, mesmo não se sentindo bem, morando com parentes. Se ela preferia ficar onde estava, tendo que continuar com seu marido ou se havia se sentido melhor sem ele, mesmo tendo que ir para outro lugar que não gostava.

Ela respondeu que era melhor sem o ex-marido. Porém, ela ressaltou que essa mudança lhe rendeu um câncer.

No dia em que tivemos esta sessão de Coaching ela já havia superado o câncer. Relatou-me que passou por várias aplicações de quimioterapia. Foram mais de dois anos de luta. Perguntei a ela se se sentia uma vitoriosa por ter resistido e superado o câncer.

Ela respondeu que sim. Perguntei se o lugar onde vive atualmente a fazia se sentir melhor do que quando morava com seus parentes. Ela disse que sim, que era bem melhor e tinha sua liberdade.

Quando chegamos nesse ponto da sessão, ela já demonstrava outra postura corporal. Já estava falando mais alto e com mais força. Ela queria falar mais e mais sobre suas lembranças de ter superado situações.

Começou a lembrar que tinha apenas 12 anos de idade, quando começou a trabalhar e se virar na vida, sem depender de outras pessoas. Enquanto suas lembranças vinham à sua consciência ela demonstrava orgulho de suas passagens vitoriosas em várias ocasiões em sua vida.

Esperei que ela acelerasse sua empolgação nas suas lembranças e indaguei: “realmente, como você me disse, você parece mesmo uma mulher fracassada”. Ela levantou a voz e me disse: “Não. Eu lutei muito, desde meus doze anos.

Tive meus filhos e fiz o que pude para ser uma boa mãe. Errei com eles, mas também acertei o que pude. Sei que podia ter sido melhor, mas hoje eu posso e quero ser”.

De repente ela parou e disse que estava se dando conta que não havia pensado sobre isso, mas que, naquele momento, começava a compreender que ela tinha se superado muitas vezes.

Perguntei se uma mulher com tantas superações e vitórias, que teve coragem de terminar um casamento ruim, que venceu um câncer, comprou sua casa própria para não ter que morar com parentes e que já havia criado filhos, poderia ser capaz de se entregar ao medo pelo futuro.

Perguntei o que impedia ela de mudar seus sentimentos em relação ao lugar onde morava. Ela disse que gostava dos vizinhos. Começou a me falar sobre o que gostava e o que não gostava em sua casa.

Então não demorou para que ela se desse conta de que havia muito mais o que ela gostava do que o que não gostava. E o que não gostava podia ser mudado ou melhorado.

Mas ainda se desculpava por pensar em sua velhice em uma cadeira de rodas ou sozinha em algum lugar, aos 80 ou 90 anos. Falei a ela que sua mãe só enfrentou essa situação a partir dos 80 anos.

E que ela precisava pensar se não estaria antecipando o sofrimento de algo que talvez faltasse mais de 20 anos para acontecer. Se ela não estaria forçando um prazo de validade desnecessário.

Ela me respondeu que já havia entendido que precisava viver o agora. Uma semana depois ela me telefonou para dizer que havia feito uma lista de coisas que queria mudar em sua casa e que já estava pintando algumas paredes. Sua voz estava bem motivada.

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